Onde você estava hoje, por volta das 9h? Foi em uma manhã como essa, de feriado religioso em Portugal, que Lisboa tremeu… E se transformou.
O tão falado Terremoto de Lisboa de 1755
1 de novembro: Dia de Todos os Santos
Em Portugal, 1 de novembro é um feriado religioso: oficialmente Dia de Todos os Santos e, popularmente, dia de lembrar os mortos (no Brasil, o Dia de Finados, a 2 de novembro, é que se tornou feriado).
Portanto, desse lado de cá do oceano Atlântico, desde cedo, as pessoas fazem visita aos cemitérios, acendem velas em suas casas e também visitam a igreja para as missas que homenageiam aqueles que não estão mais neste plano.
E assim também foi naquele 1 de novembro de 1755…
Às 9h da manhã na Baixa de Lisboa
Era uma manhã de outono, mas fora do habitual. Um calor fora do normal havia tomado conta da cidade nos dias anteriores. O coração de Lisboa pulsava na Baixa da cidade, pois era também por ali que vivia a família real portuguesa.
Para quem já visitou Lisboa, fica fácil imaginar.
Antes da bonita e colorida Praça do Comércio, aquela área era aberta ao rio Tejo, bem da forma como vemos hoje. Entretanto, no lugar dos edifícios amarelos, tínhamos ali o Palácio, a Ópera, a Igreja, a Torre do Relógio e a Biblioteca Real.
Aliás, no centro da Praça do Comércio há uma estátua com um senhor ao cavalo, certo? Aquele era o rei dessa época, D. José I. Lisboeta e, na época do terremoto, com pouco mais de 40 anos de idade
Somente como curiosidade e para te situar na história, sua filha mais velha era a Dona Maria, A Louca, enquanto seu pai foi D. João V – aquele rei de algumas das mais majestosas construções portuguesas da época, como a Biblioteca Joanina de Coimbra.
D. José I e sua família não estavam no Palácio. Foram a Belém, distante 7km dali, para uma celebração na igreja do Mosteiro dos Jerónimos e também para um passeio. Muitos nobres, aproveitando as altas temperaturas atípicas daquele período, também estavam fora de Lisboa em casas de veraneio.
Já a população estava nas missas ou prestando homenagens aos seus mortos com velas acesas em casa.
O que ninguém poderia imaginar é que, diante dessa calmaria de uma manhã de feriado santo, Lisboa fosse atingida por um terremoto equivalente a 8.7 na escala de Richter pouco depois das 9h – aquele que foi um dos mais fortes e com piores consequências na história da Europa até o século XVIII.
Os gritos de desespero ecoaram pelas ruas, enquanto paredes e tetos ruíam e a fumaça escura cobria o céu do centro da capital.
Na época, as ruas da Baixa eram sinuosas e acompanhavam o terreno de forma orgânica, como em um plano medieval (tal como vemos nas áreas mais antigas de Lisboa, seja em Alfama ou na Mouraria, por exemplo), e a fuga não era fácil.
Correr para aquela parte hoje ocupada pela Praça do Comércio, bem aberta e ao lado do rio Tejo, foi instintivo, visto que a população imaginava que, longe das construções em ruínas, estaria segura.
O que se diz é que esse também foi o agravante da catástrofe, pois o mar recuou, puxando o rio Tejo, e voltou em ondas gigantes que podem ter atingido os 20 metros de altura.
Portanto, além do terremoto, o tsunami percorreu as ruas de Lisboa por até 500 metros para dentro da cidade (para você conseguir imaginar, seria a extensão da Rua Augusta, desde o Arco da Rua Augusta até a Praça do Rossio).
Como se não bastasse, a cidade também ardeu por vários dias consecutivos em consequência do fogo provocado pelas velas, das próprias ruínas e ainda dos incêndios criminosos colocados por pessoas que aproveitaram a tragédia para fazer saques.
Trilha sonora: Moonspell e o disco 1755 sobre o Terremoto de Lisboa
Há uma banda de heavy metal portuguesa mundialmente conhecida chamada Moonspell.
Para fazer uma ponte a quem não sabe quem são eles, teria o mesmo grau de importância e reconhecimento que o Sepultura no Brasil e exterior.
Há poucos dias, eu e o Rafa fomos ver a estreia do novo disco dessa banda aqui em Lisboa, intitulado 1755.
Curiosos sobre esse terremoto e dentro da nossa paixão pela história da capital, é claro que nos envolvemos rapidamente com o Moonspell e este álbum.
Apesar de conhecê-los há muitos anos e gostar de rock, não era uma banda que acompanhávamos, principalmente por eles terem a maior parte do trabalho cantado em inglês.
Entretanto, todas as músicas que estão incluídas nesse disco são cantadas em português e estão relacionadas com aquele 1 de novembro de 1755, o dia do Terremoto de Lisboa.
Eles não somente escreveram canções muito intensas sobre o terror vivido nesta data pelos lisboetas, como fizeram uma apresentação genial, com artifícios teatrais, lembrando um momento que foi tão marcante para Lisboa.
Abri parênteses aqui também para contar uma curiosidade desse álbum, e que pode te interessar.
Além das canções de autoria própria, eles ainda fizeram uma versão sombria para Lanterna dos Afogados, dos Paralamas do Sucesso (o álbum completo está disponível no iTunes e no Spotify).
Foi uma escolha absolutamente inteligente, na minha opinião.
Apesar da proposta original de Herbert Vianna falar das mulheres que esperam seus maridos pescadores durante a madrugada, e temem os perigos do mar – essa também é uma marca muito forte e presente na cultura portuguesa.
Aliás, a música tem essa magia, de poder dialogar com dois universos aparentemente diferentes, mas que quando o recorte é feito por bons artistas, nos dá a sensação que o encaixe é perfeito.
Nisso, o Moonspell é mestre. Não é a primeira vez que eles fazem um álbum que não se esgota nas músicas.
Se você tiver curiosidade e gostar de heavy metal, vá em busca do 1755 e também de outros trabalhos deles.
A reconstrução e uma Lisboa moderna
Foi naquele Dia de Todos os Santos que a capital portuguesa perdeu a Biblioteca Real, a Ópera, 35 igrejas, 55 palácios e cerca de 10 mil edifícios.
Parte da população que estava na Baixa também morreu. Há autores que indicam 10 mil, outros 30 mil. Mas não é possível precisar o número de mortos, sobretudo pelo tamanho da tragédia, pela época em que aconteceu e também pela rapidez que foi necessário resolvê-la.
É possível que, nesta época, Lisboa tivesse a volta de 300 mil habitantes. Passado 1 ano da tragédia, a população teria caído para 165 mil, não só pela perda na catástrofe, como aquele que adoeceram e morreram depois e também os que saíram em fuga, com medo de novos desastres.
Como disse a pouco, a Família Real Portuguesa escapou por sorte, pois no momento do terremoto eles estavam em Belém.
Curiosamente, mesmo com a proximidade de Belém ao Atlântico, essa não foi uma área tão prejudicada.
Apesar de toda a cidade ter sentido o abalo, o tsunami e os incêndios foram os grandes responsáveis pela destruição do centro.
Aliás, falando em Família Real, D. José I perdeu tudo o que tinha e ficou traumatizado com o terremoto. Afinal, a monarquia já estava instalada ali naquela área da cidade desde o século XVI.
A escolha para a nova base da família real, assim, foi natural.
O novo palácio foi erguido na Ajuda, um bairro para cima de Belém, que eles julgavam ser um local mais seguro do que a Baixa diante dessa experiência de terror.
Entretanto, nem o rei, nem parte da população imaginava poder viver sob construções de pedra novamente.
Foi assim que a primeira fase deste palácio também ficou conhecido como Real Barraca ~do Zé~ (ok, o “do Zé” foi por minha conta rs.), tendo como prioridade uma estrutura toda feita de madeira.
A partir do Padrão dos Descobrimentos, em Belém, vire de costas para o rio Tejo e observe como o bairro “sobe” em uma colina.
Do lado direito, você vai ver o Palácio da Ajuda, que foi construído depois, em substituição da Real Barraca. Agora já dá para ter uma ideia das distâncias e da região, não é?
É neste cenário que aparece mais um sobrevivente: Sebastião José de Carvalho e Melo – adorado por uns, odiado por outros.
Sebastião José, depois nomeado Marquês de Pombal, era uma espécie de braço direito do rei. Tinha uma função equivalente a de Primeiro Ministro, para trazer à nossa realidade.
De sangue frio e visionário, ele toma a frente da tragédia e não mede esforços para levantar Lisboa.
Claro que não foi assim tão romântico.
A cidade estava repleta de corpos, alguns também carbonizados, além dos edifícios em ruínas. Um verdadeiro cenário de guerra.
Assim, uma das primeiras medidas tomadas por ele foi pedir autorização a Sé de Lisboa para que os corpos fossem enterrados ou lançados ao oceano sem que fossem velados.
A rapidez para tirá-los das ruas era em função da higiene. Assim, o Marquês garantiu que a população não passasse por qualquer epidemia.
Depois, era necessário garantir que a população não entraria em fuga, abandonando imediatamente a cidade (e foram proibidos disso), para também trabalharem nas obras e na limpeza. Os portos e as estradas foram fechadas.
E, para financiar um novo projeto lhe faltavam fundos, que foram reunidos com a criação de impostos e a exploração das colônias de propriedade do reino de Portugal – entre elas, o Brasil.
A estrutura que vemos hoje na Baixa de Lisboa (chamada também de Baixa Pombalina, nomeada posteriormente em função do Marquês de Pombal), demarcada principalmente pela Praça do Comércio e a Praça D. Pedro IV (também chamada de Praça do Rossio), além de uma área do Chiado, faz parte desse projeto que transformou a capital portuguesa em uma das cidades mais modernas da Europa para a época.
Ruas largas, retas e as principais divididas por ofícios (Rua do Ouro, Rua dos Sapateiros, Rua dos Correeiros, etc.), edifícios do mesmo tamanho – formando grandes blocos por quarteirão e, principalmente a gaiola pombalina são algumas das características desse projeto.
A gaiola pombalina é uma construção de madeira de carvalho feita em “x”, preenchida com entulho das ruínas do Terremoto de Lisboa, que ficava no interior das paredes, e bastante flexível, capaz de resistir a fortes terremotos que pudessem voltar a acontecer.
Hoje, ainda conseguimos ver muito desse projeto pelas ruas do centro histórico de Lisboa. Entretanto, o que se discute nos meios de comunicação portugueses é o quanto a população da capital corre perigo, caso acontecesse um novo tremor dessa magnitude.
Ao longo desses mais de dois séculos, derrubaram-se paredes, aumentaram edifícios (tipo uns “puxadinhos”, sabe? rs.) e, apesar de no momento existir uma lei que exija um sistema anti-sismico em novos prédios de Lisboa, não há uma fiscalização acirrada. Tal melhoria aumenta o custo do edifício de 10% a 20%.
Portanto, muitos empreendimentos imobiliários ignoram a possibilidade de um novo tremor.
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Os sobreviventes do Terremoto de Lisboa de 1755
Há dois monumentos em Lisboa que são símbolos desta data, mantidos como sobreviventes da tragédia.
O primeiro é o Aqueduto das Águas Livres. Apesar de não ficar na Baixa de Lisboa, ele impressionou a população da capital pós-terremoto, pois era uma obra nova (iniciada em 1731) que não teve nenhuma de suas partes destruída com o abalo.
Entretanto, o principal postal ainda presente na vida da cidade, como referência desse acontecimento, são as ruínas da Igreja do Carmo, hoje transformadas em Museu Arqueológico do Carmo. Se você já esteve em Lisboa, em algum momento as viu, certamente.
É um edifício branco com uns arcos por cima, datado originalmente de 1389. Atenção que os arcos especificamente (e que são impressionantes) não fazem parte da ruína original. No ano seguinte ao terremoto houve a intenção de reconstrução, sim, mas as obras foram paradas em 1834, com a extinção das ordens religiosas.
É certo que a colina do Castelo de São Jorge e o bairro de Belém também não ruíram por completo. Porém, foram danificados e remodelados ao longo dos séculos.
Mas, o que me fascina na história da capital é que esse terremoto se misturou a tantas camadas de Lisboa que estavam escondidas, representadas por outros terremotos e ruínas romanas e islâmicas, por exemplo.
Portanto, leve o seu olhar atento para percorrer a Baixa. Você vai encontrar uma Lisboa ainda mais misteriosa e incrivelmente viva.
Hã, mas você deve estar se perguntando: “Afinal, Lisboa já teve outros terremotos?”. Sim, algumas vezes. Mas prometo que volto aqui para contar mais em breve ;)
Esse é um artigo original do Cultuga. Leia o post completo em: O terremoto de Lisboa que assombrou a população em 1755